sábado, 4 de novembro de 2017

Opinião 1: Carlos Rivorêdo

O muito antigo amigo Carlos Rivorêdo, 
do seu retiro longínquo, sempre presente às questões sociais, 
leu o protótipo de Bonecos e Pretinhas e descascou... 
.
Guina, vou dizer o que me veio à cabeça com a leitura de seu livro. Não sou crítico literário; visto apenas a pele de leitor atento. Só.
Seu escrito me trouxe à mente inúmeras coisas. A primeira delas foi uma vontade enorme de reconciliação com minha cidade natal. O Rio de Janeiro tão judiado, emblema do Brasil. Essa cidade que me viu nascer, crescer, tornar-me o que sou e que, sem saber, impregnou-me de seu modo de viver ou de (sobre)viver. Hoje, vivo, mesmo que seja em uma dimensão pequena, a experiência do estrangeiro, estando fora da vizinhança da Boca Banguela há quarenta anos. Lendo sua produção em letras e imagens percebi o quanto ficou impregnada a cidade e sua generosidade violenta.

A boca banguela da baía da Guanabara - foto Guina Araújo Ramos, 2013.
Pensando o Rio e o Brasil, conforme você me trouxe, senti que há (e sempre haverá) um conflito subliminar, mas com contornos evidentes no cotidiano. Essa contradição entre uma sociedade que se organiza em torno de abstrações inquietas e a sempre efervescente manifestação do real da comunidade. A primeira, na tentativa atemporal de tornar os homens e mulheres uma massa homogênea e dócil, movida a servidão imposta por dispositivos de poder que oprimem a todos, seja pelo poder macropolítico, seja pela circulação dos poderes microcirculantes. A outra, com seus contornos de procura de identificação entre seus elementos, mutável, dinâmica, esforçando-se a todo momento para viver o real, aquilo que encontra no virar uma esquina. Nessa, os sujeitos se encontram, desencontram e se fazem humanos.
Essa contradição me pareceu presente, o tempo inteiro no seu livro, tanto nos bonecos quanto nas pretinhas. Aqueles funcionando como testemunhas e emblemas do real que as pretinhas evidenciam. Os bonecos dizem dos momentos expressos nas palavras que, a todo momento tentam dar pistas da concretude da vida. Como tudo é interpretação e discurso, as palavras expressam e as imagens dizem algo como: “Olha aí, eu não disse?” Exemplo.
Como não há diálogo entre eles, bonecos e pretinhas dizem em conjunto o que o leitor encontra na perplexidade desses nossos tempos tão terríveis. Fica bem claro, para quantos quiserem ver, o tanto de reflexo na vida dos que pensam e praticam a solidariedade e a preocupação com a ResPublica, a dura realidade que esse tempo nos impõe.

http://www.libero-arbitrio.it/mitologia/vaso-di-pandora-significato-mito/
O vaso de Pandora está aberto. Os males se exteriorizam diuturnamente trazendo para o real o binômio fascista do ódio e do medo. Tornam a vida um moto perpétuo de sobreviver a qualquer custo e a duras penas. Isso, as palavras e as imagens me trouxeram. Os bonecos e sua transmissão atemporal do real e as pretinhas trazendo o que há de desdobramento no mesmo real do vaso destampado.
Mas, como nos chama a atenção o próprio mito, dentro do vaso, escondida, mas presente, virtuosa, sobreviva e forte, está a tal Esperança. Bela, discreta, insidiosa e poderosa, ela se instala e toma as formas que o tempo lhe permite, como uma metamorfose que se transforma segundo a necessidade. Seja no Carnaval parcialmente interditado, na beleza para outros da reforma urbana, seja nas idas e vindas da satisfação do desejo de dizer não a uma sociedade perversa e pervertida, seja, enfim, no que aproxima os homens e as mulheres pela constância do amor e suas inúmeras formas de existir.
Esse movimento, no seu livro, nas palavras e nas imagens, está afirmado a todo momento. Claro que os Males estão soltos, mas é nítida a Esperança que se esgueira sorrateira entre eles e afirma a Vida como valor maior. Nós, humanos, somos capazes de amar.



Carlos Rivorêdo é médico 
(Faculdade de Ciências Médicas – UERJ e Universidade de Taubaté – UNITAU)
e ex-professor na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.

 

Um comentário:

Guina Araújo Ramos disse...

Por Natalia dos Anjos, no Facebook: "Acabei de ler o texto, fico muito feliz por alguém descrever de maneira tão incrível meu sentimento em relação ao livro. Meu amigo Carlos obrigada por sua competência. Bjs bjs bjs."